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Marta Vieira vende quentinhas a preço popular na Praça Sete, Centro de BH; ela sonha em alimentar quem não pode comer e conhecer os irmãos biológicos

 

A Praça Sete é o coração de Belo Horizonte e as pessoas que passam ou trabalham no local fazem a área pulsar. E na hora do almoço, numa das laterais do prédio do Uai (Unidade de Atendimento Integrado), as batidas ficam ainda mais intensas com a “Baratex”, barraquinha de marmitas que é sucesso absoluto no centrão da capital mineira. Mas além de comida gostosa, caseira e, como o nome já infere, baratíssima, o metro quadrado onde a dona Marta Vieira se instala guarda histórias de luta, superação, generosidade e sonhos de uma vida.
Na foto, Marta Vieira na sua barraquinha, na Praça Sete
“Eu quero distribuir esse carinho para todo mundo”. Mesmo com uma história repleta de dificuldades, a animação de dona Marta contagia(foto: Edesio Ferreira/EM/D.A Press)
Marta Vieira Cândida, de 58 anos, é natural de Timóteo e oferece seu serviço por um valor quase inacreditável. A marmita completa em sua barraquinha custa apenas R$ 7. Para ela, lucrar é o de menos. O mais importante é ver pessoas que não podem pagar altos valores na alimentação, comendo bem e diariamente.

Ela começou a trabalhar vendendo marmitas há quatro anos, no Aglomerado da Serra, onde mora até hoje. Com o sucesso do empreendimento, dona Marta resolveu levar as marmitas para a Praça Sete, um dos pontos mais movimentados de Belo Horizonte.

Gastando muito com aplicativos para buscar as marmitas e levar para o Centro, ela decidiu alugar uma cozinha para agilizar a produção. Ela conseguiu, então, começar a produzir em um bar, localizado no segundo andar de um dos prédios da Praça Sete. Dividindo o espaço com o dono do estabelecimento, o negócio cresceu e chegou ao que é hoje, com vendas de cerca de 120 marmitas por dia.

O sucesso fez com que dona Marta expandisse ainda mais e passasse a servir almoço no bar onde usa a cozinha. O mesmo estabelecimento agora também é restaurante. Por R$ 14, os clientes podem aproveitar um self-service sem balança e ainda aproveitar uma bonita vista do centro de BH.

Pouco dinheiro, muito carinho

Apesar dos números relevantes, o baixo preço não permite que dona Marta tenha grandes lucros. As constantes doações e reduções de preço também diminuem os ganhos. Mas para ela, que já morou na rua quando se mudou para Belo Horizonte, a questão financeira fica em segundo plano.
“Os custos são altos e tem dia que vamos para casa com R$ 5, que é o dinheiro da passagem. Mas eu fico feliz porque eu já passei por muita dificuldade, cheguei a morar na rua em BH, dormi embaixo de marquise. Mas com muita luta, catando papelão, fazendo um monte de coisas, eu cheguei até aqui”, contou Marta, com um sorriso orgulhoso no rosto.

Ajuda ao próximo

Perguntada sobre as razões de manter um preço tão baixo nos produtos, ela explica que suas origens orientam seu negócio. “Eu já fui catadora de papelão, já vendi lavagem, não tinha como ter dinheiro direito. Já cheguei a tirar do lixo para comer, com meus filhos. Como eu vejo essas pessoas aqui na rua que não tem condições de comprar uma marmita mais cara, ou se não comer uma comida mais bem feita, eu decidi colocar esses preços”. 

Em lágrimas, dona Marta deu um show de humildade, humanidade e perseverança. “Eu sou feliz demais. Eu vivi por muito tempo sem condições na minha vida. Eu pensava ‘meu Deus, porque que eu não posso chegar numa época e ajudar os outros?’. Hoje, tem hora que me faltam as coisas, mas pelo menos Deus me deu minha família e o carinho das pessoas na rua. Todo mundo olha para mim, me abraça e eu fico muito feliz com isso”.

“É um carinho que eu não tive, mas eu quero distribuir esse carinho para todo mundo. Para quem precisa do meu carinho”, disse.
E ver Marta distribuindo amor é tão comum quanto vê-la distribuindo marmitas. Um homem cego é abraçado e amparado por ela. Mesmo com desgaste nos joelhos, ela ajuda outro com uma deficiência na perna a subir as escadarias do prédio onde comanda seu restaurante. Ficamos juntos por cerca de 30 minutos. Se a equipe do Estado de Minas passasse o dia a seu lado, acredito que cenas como essas necessitam de outra matéria para serem encaixadas, de tão frequentes que seriam.
Na foto, barraca de dona Marta, na Praça Sete, cheia de clientes
Na hora do almoço, barraca de dona Marta na Praça Sete sempre fica lotada(foto: Edesio Ferreira/EM/D.A Press)

Missão

Dona Marta disse que ajudar as pessoas é sua missão na terra. Suas dificuldades forjaram-na, assim. “Quando eu morava na rua, ficava na Praça Raul Soares, e algumas pessoas vinham, às vezes não para me dar as coisas, mas para me dar carinho, conversar comigo. Eu gravida e uma senhora me levava para tomar banho na casa dela. Então retribuir isso aqui para mim é minha felicidade. E enquanto eu estiver viva vou fazer”.

“Alguns não têm condição de comprar o marmitex por R$ 7 e eu vendo por 5, mesmo. Outro dia um casal veio com dinheiro para comprar uma marmita para os dois. Vendi as duas pelo preço de uma. Quiseram até tirar uma foto comigo. Eu quero que todo mundo possa comer. Aqueles que não tem condição de pagar, quando sobra alguma marmita eu doo. É muito bom ajudar as pessoas”, conta ela.

Sonhos

Perguntada sobre seus sonhos, Marta afirmou que deseja arrumar parte da casa em que mora com os filhos, no Aglomerado da Serra. Segundo ela, um deslizamento de terra derrubou um muro que destruiu parte do imóvel, o que fez com que parte de sua família tivesse que deixar o lugar para morar de favor em outros locais.

Ela disse ainda que, pessoalmente, tem o desejo de montar um restaurante próprio, no qual não precise dividir com um bar. Apesar de ser grata ao proprietário do local onde trabalha, hoje, ela afirmou querer um “cantinho só dela”. Mas ela ressaltou que mesmo realizando esse sonho, a barraquinha de marmitas “baratinhas” na Praça Sete não vai acabar.
Clientes

Enquanto a equipe esperava dona Marta para a entrevista, a quantidade de clientes na Baratex chamava a atenção. A todo momento um novo comprador chegava. A maioria deles dona Marta já conhecia pelo nome. Em certo momento, uma fila chegou a se formar, enquanto a reportagem do EM, involuntariamente, mudava a rotina do local e atrapalhava, com a melhor das intenções, o fluxo de clientes.

A filha de dona Marta, que também trabalha na barraquinha, precisou chamar a responsabilidade para si para liberar a mãe, que atendia os clientes como se fossem amigos de longa data. Bem, pela sua presença constante na Praça Sete, talvez seja essa a questão.
Sara Maria, de 22 anos, trabalha numa pastelaria do Centro e é cliente da Baratex há dois anos. Segundo ela, a simplicidade e o carinho de dona Marta são tão diferenciados quanto o preço baixo. “A forma que ela te trata, para tudo que você precisar dela, ela está ali. É o que tem de mais mineiro nela. E o preço ajuda ‘demais da conta’! É economia todo o dia”.
Nathan Sachetto Madureira, 21 anos, é atendente de call center e já se considera um cliente fiel de dona Marta. “A empresa que eu trabalho mudou recentemente aqui para o Centro e quando eu vi que o marmitex tinha um preço popular eu vim experimentar, achei uma comida ótima e faço questão de vir aqui todos os dias”.

“É formidável. Um preço que ajuda a gente que está na correria do dia a dia, que é trabalhador. Realmente une o útil ao agradável”, completou o jovem.

Busca pelos irmãos

No momento em que eu finalizava a entrevista, Emily, neta de dona Marta, que trabalha no restaurante, interrompeu a despedida de sua avó dizendo para ela falar “daquele sonho”. Instantaneamente, os olhos da comerciante voltaram a se encher de água e, bastante emocionada, ela começou, entre lágrimas, a contar seu desejo.

“Eu tenho desejo de, pelo menos, conhecer meus irmãos. Meus doze irmãos. Eu fui criada por uma mulher chamada Piedade, que me registrou como filha dela. Minha mãe verdadeira se chama Maria Efigênia. Eu vim de Timóteo com 16 anos e perdi o contato com todo mundo. A única família que tenho são meus filhos e eu tinha vontade de ter contato com eles, com pelo menos meus irmãos verdadeiros, que são filhos da Maria Efigênia. Eu não conheço nenhum dos meus irmãos de sangue”, desabafou entre muitas lágrimas.
Na foto, Marta Vieira se emociona durante entrevista
Marta se emociona ao falar dos irmãos que sonha em reencontrar(foto: Edesio Ferreira/EM/D.A Press)
Aos nove anos de idade, Marta foi doada pela sua mãe para outra família. Na nova casa, ela passou por dificuldades e teve que ir trabalhar no Rio de Janeiro antes de completar dez anos de idade.

Ela contou que é a terceira mais velha dos irmãos, sendo mais nova somente que Antônia e Isabel. Entre os mais novos, ela citou Aparecida e Antônio. De acordo com Marta, quando foi adotada, ela teve seu nome mudado. Anteriormente, se chamava Maura. Ela conta que isso aconteceu com outras de suas irmãs, incluindo Antônia, que tinha outro nome.
Entre seus irmãos adotivos, que ela também quer reencontrar, ela citou Maria da Penha, Lurdinha e Carlinhos. Segundo ela, não possui notícias de nenhum deles há muito tempo.
Marta alimenta pessoas, corações e sonhos, incluindo os seus próprios. E ela mostra que pode não ser necessária uma grande contrapartida para isso. Um cantinho na praça, um tempero bem feito e um sorriso no rosto conquistam muita gente.

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