Em ação movida na Justiça inglesa, cerca de 620 mil atingidos pela tragédia reivindicam mais de R$ 260 bilhões em indenizações da BHP, acionista da Samarco.
Em frente ao Tribunal de Londres, atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão seguram cartaz com os dizeres: “Essas são as vítimas do desastre de Mariana. Elas terão justiça?” — Foto: Divulgação/Pogust Goodhead
O Tribunal Superior de Londres, na Inglaterra, marcou para os dias 2 e 3 de julho de 2025 as audiências que definirão o passo a passo da segunda fase do processo da tragédia de Mariana na Justiça inglesa. O julgamento chegou ao fim no último 13 de março.
Comunidades, municípios, igrejas e empresas reivindicam mais de R$ 260 bilhões em indenizações da anglo-australiana BHP Billiton, uma das controladoras da Samarco — a mineradora era responsável pela barragem de Fundão, que se rompeu em 5 de novembro de 2015 (entenda mais abaixo).
Segundo o Pogust Goodhead, escritório que representa os atingidos, as novas sessões servirão para tratar dos danos e das indenizações decorrentes do colapso da estrutura.
“A CMC de julho servirá para acordar a organização do segundo julgamento, seu escopo e formato, bem como cronograma, prazos para entrega de documentos, provas testemunhais e periciais […] O agendamento da audiência ainda para o primeiro semestre de 2025 — e antes mesmo da sentença sobre a responsabilidade da mineradora — é mais uma demonstração da agilidade e prioridade que a corte inglesa tem dado ao caso Mariana”, afirmou o escritório.
Etapas do julgamento
A primeira fase do julgamento, iniciado em outubro de 2024, foi concluída com o término das alegações finais, em 13 de março de 2025. A expectativa é que uma sentença seja anunciada pela juíza Finola O’Farrell nos próximos meses. Veja linha do tempo:
Entre outubro e novembro de 2024, as testemunhas citadas no processo foram interrogadas.
Em dezembro, foram ouvidos especialistas em direito civil, incluindo prescrição e renúncias, e direito societário. Também foi debatida a legitimidade de municípios para litigar fora do país antes de o tribunal entrar em recesso.
Entre os últimos 13 e 29 de janeiro, a corte retomou os trabalhos e ouviu especialistas em direito ambiental e geotecnia.
Em fevereiro, o processo entrou na fase de preparação das alegações finais.
Nos dias 5, 6, 7 e 13 de março, os advogados das vítimas fizeram as últimas sustentações orais. De 10 a 12 de março, foi a vez da defesa da BHP.
O julgamento chegou ao fim em 13 de março.
Espera-se que o veredito da corte saia em meados de 2025.
Caso a mineradora seja responsabilizada pelo desastre, haverá uma nova etapa para determinar os danos causados e o montante a ser pago.
A segunda fase deve começar em outubro de 2026 e tratará dos seguintes assuntos:
princípios legais brasileiros para avaliar e quantificar perdas;
extensão física do desastre, incluindo a toxicidade dos rejeitos e áreas afetadas;
quantificação de indenizações por perda de água, energia e danos morais coletivos.
De acordo com o CEO do escritório, Tom Goodhead, se a sentença for favorável aos atingidos e não houver acordo, o escritório pedirá à Justiça inglesa que os clientes recebam um pagamento provisório enquanto a ação tramita. Para a cidade de Mariana, por exemplo, seria reivindicada a antecipação de ao menos R$ 1,2 bilhão.
“É uma antecipação das indenizações. A lei inglesa (Código Processual Civil – Regra 25) prevê a possibilidade de receber uma parte do pagamento antes do fim do litígio”, argumentou.
Procurada pelo g1, a BHP disse acreditar que o acordo firmado com o poder público no Brasil é “o melhor caminho para garantir uma reparação completa e justa” dos impactados pela tragédia.
“Estamos confiantes com nossa defesa no Reino Unido e nas evidências apresentadas, as quais demonstram que segurança sempre foi prioridade para a BHP e que agimos com responsabilidade. Continuaremos a nos defender no caso, respeitando o processo legal inglês”, informou a multinacional.
Representantes da comunidade indígena dos Krekak, atingidos pela tragédia da Samarco em Mariana. — Foto: Divulgação/Matthew Pover
Na ação movida na Justiça inglesa por cerca de 620 mil atingidos pelo rompimento da barragem de Mariana, na Região Central de Minas Gerais, comunidades, municípios, igrejas e empresas reivindicam mais de R$ 260 bilhões em indenizações da BHP, com antiga sede em Londres.
O processo corre desde 2018, porém, somente em julho de 2022, a corte da Inglaterra decidiu julgar o caso. As audiências começaram em outubro de 2024.
Durante o julgamento, a defesa das vítimas alegou que a BHP tinha conhecimento dos riscos de rompimento da barragem e, como acionista da Samarco, deve responder pelos danos causados.
Ao longo das oitivas, os advogados dos atingidos apresentaram evidências de que a empresa teria recebido “sinais de alerta” sobre a estrutura pelo menos seis anos antes da tragédia. A mineradora negou as alegações.
“Queremos deixar claro que os conselheiros da Samarco, indicados pela BHP Brasil, não foram informados de que a segurança da barragem estava comprometida. Na verdade, eles foram repetidamente assegurados por engenheiros e especialistas, incluindo especialistas independentes internacionalmente reconhecidos, de que a barragem estava sendo bem gerenciada, segura e estável”, declarou a BHP , em nota à imprensa.
De acordo com o Pogust Goodhead, houve problemas no armazenamento de lama na barragem e incidentes de infiltração na estrutura, o que seria um indicativo de que o sistema de drenagem não estava funcionando de forma adequada. Um relatório de 2009 mostrou que água e sedimentos estavam vazando por um buraco surgido na face da estrutura.
“Pequenos problemas podem se transformar em problemas muito grandes com esse tipo de estrutura. Nossa principal reclamação é que essa sequência de problemas nunca foi analisada de forma suficientemente holística para perceber que havia um problema fundamental com a drenagem revisada”, disse o advogado Andrew Fulton KC.
Também conforme o escritório de advocacia, a Samarco não implementou evacuações preventivas em Bento Rodrigues, mesmo sabendo que uma ruptura inundaria a área em menos de 10 minutos.
Foram apresentadas, ainda, informações sobre uma rachadura detectada em agosto de 2014 e considerada pela defesa uma “evidência de falha iminente do próprio talude”. Embora a mineradora tenha implementado medidas de emergência, o fator de segurança recomendado não foi alcançado.
Estimativas internas da própria empresa, mostradas no tribunal, previam até 100 mortes e um impacto financeiro inicial de US$ 200 mil por vítima — o que corresponderia a um gasto total de US$ 1,25 bilhão com o pagamento de multas, compensações, processos judiciais e reparações.
A barragem de Fundão se rompeu em 5 de novembro de 2015, provocando o derramamento imediato de aproximadamente 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração.
A lama destruiu povoados e modos de sobrevivência, contaminou o Rio Doce e afluentes e chegou ao Oceano Atlântico, no Espírito Santo. Dezenove pessoas morreram.
Acordo no Brasil
Enquanto o caso é julgado pela Justiça inglesa, em outubro de 2024, Samarco, Vale BHP fecharam um novo acordo com o poder público no Brasil para a reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem.
O valor total é de R$ 170 bilhões, que incluem R$ 38 bilhões já gastos em medidas de recuperação executadas desde a tragédia, há quase nove anos.
Em novembro, a Justiça Federal do Brasil absolveu a Samarco e as subsidiárias dela das acusações. A decisão justificou a absolvição com base na “ausência de provas suficientes para estabelecer a responsabilidade criminal” direta e individual de cada réu envolvido no caso.
Fonte: https://g1.globo.com