Desembargadora entendeu que TCE-MG não extrapolou sua função ao suspender o edital do governo de Minas
A Justiça de Minas Gerais negou, nesta terça-feira (27), o pedido do governo do estado para retomar a licitação de um lote de rodovias estaduais que cortam o Vetor Norte da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). A decisão, da 3ª Vara de Fazenda Pública e Autarquias, assinada pela juíza Rosimere das Graças do Couto, manteve exigências determinadas pelo Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG) e indeferiu o uma liminar do Executivo, que pretendia republicar o edital e seguir com as obras.
No fim do mês passado, o TCE determinou a paralisação do edital. O entendimento, presente em decisão liminar do conselheiro Agostinho Patrus e referendado no pleno da Corte, foi definido após “identificação de inconsistências nos documentos apresentados pelo governo” para justificar a concorrência.
Paralelamente, deputados estaduais de oposição ao governo acionaram o Tribunal apontando falta de transparência do edital, carência de participação da sociedade e possível violação à modicidade tarifária.
Ao recorrer ao Judiciário, o governo Zema alegou que o TCE-MG teria extrapolado sua função constitucional de controle ao criar exigências além do que prevê a lei. Segundo a ação, “todas as exigências legais relativas à participação popular e à publicidade foram devidamente observadas”, com a realização de audiências públicas presenciais e consulta pública regular. O governo classificou de “indevida” a “interferência em juízos discricionários próprios da Administração Pública”, apontando que a definição de políticas públicas de concessão cabe prioritariamente ao Executivo.
No pedido de tutela antecipada, argumentou que a suspensão do edital impediria investimentos urgentes para melhorias viárias, como recuperação de pavimento, implantação de acostamentos, iluminação, construção de passarelas, contornos viários, novos pontos de ônibus e viadutos. Defendeu ainda que o pedágio é instrumento legítimo de financiamento da infraestrutura e que a própria Lei nº 11.079/2004 sequer exige a realização de audiência pública nesse tipo de projeto.
O Tribunal de Contas, em sua manifestação nos autos, defendeu a legitimidade da sua atuação e reiterou o risco de dano ao interesse público em caso de prosseguimento da licitação sem revisão adequada. Segundo o órgão, “a realização de audiências públicas, especialmente em projetos de grande impacto regional, não é uma faculdade meramente discricionária da Administração”, e, para o lote em questão, faltou substancial participação da sociedade.
O TCE-MG sustentou que sua intervenção visa garantir a legalidade e eficiência do processo, prevenindo prejuízos ao erário e ao cidadão. Destacou, ainda, que as audiências ocorreram somente em dois dias, em municípios restritos, sem intervalo suficiente e sem possibilidade de participação remota, o que comprometeu a transparência e a efetividade da consulta popular.
Ao analisar o pedido do governo mineiro, a magistrada reconheceu a importância social dos investimentos em mobilidade, mas ponderou que não há, até o momento, elementos suficientes para conceder a liminar solicitada.
“Não vislumbro, a princípio, que o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais tenha extrapolado sua função de controle, tampouco há demonstração de que a decisão atacada seja manifestamente ilegal, abusiva ou destituída de fundamentação, diz trecho da decisão.
A juíza ressaltou a magnitude do projeto — investimento superior a R$ 5 bilhões, impacto direto em mais de 3 milhões de pessoas e circulação média diária de quase 300 mil veículos — e apontou que a exigência de um processo mais aberto e participativo não pode ser meramente formal. Para a magistrada, “as ações de participação popular foram insuficientes, frente à magnitude e ao alcance territorial do projeto”.
Ela também destacou que a documentação apresentada não comprova a efetividade da consulta a todos os municípios afetados, tampouco a existência de mecanismos robustos de participação remota ou registro audiovisual, conforme sugerido pelo TCE-MG.
“A ausência de comprovação de convocação de todos os municípios afetados, que têm interesse direto no objeto da demanda, bem como a carência de mecanismos efetivos de participação remota e registro audiovisual integral… impõem dúvidas relevantes quanto à necessidade, legalidade e, principalmente, à legitimidade democrática do processo licitatório, neste momento”, mostra a decisão.
A magistrada avaliou ainda que não se pode sobrepor o risco de prejuízo social alegado pelo Estado ao dever de observar o devido processo legal e evitar a celebração apressada de contratos complexos e de longo prazo, o que poderia gerar riscos ainda maiores e de difícil reparação.
O que acontece agora?
Com a decisão, a licitação permanece suspensa até que sejam cumpridas as determinações do TCE-MG. O processo seguirá para instrução probatória, com a possibilidade de audiência de conciliação, já que o Estado manifestou interesse no diálogo. O Tribunal de Contas foi intimado a informar em até 15 dias se também concorda com a tentativa de acordo.
Além disso, a decisão determina a citação do TCE-MG para apresentar defesa no prazo legal e abre espaço para nova manifestação do Estado ao fim da etapa de resposta.
Próximos passos
O edital do Vetor Norte prevê investimento de R$ 2,73 bilhões em valor presente líquido, concessão de 30 anos (prorrogável por mais cinco) e previsão de entrega de envelopes para 10 de junho. Com a licitação suspensa, esse cronograma fica indefinido.
O governo estadual, por sua vez, pode buscar novas tentativas de reverter a decisão em instâncias superiores ou avançar em negociações para atender às exigências do órgão de controle.