Brasil não atinge metas da vacinação infantil e tem taxas abaixo da média mundial; entenda em 6 gráficos
Em 2021, principais vacinas previstas no calendário infantil tiveram índices abaixo de 73%, mostra levantamento do UNICEF e OMS. Faixa de cobertura recomendada gira em torno de 90% e 95%.
Os números da vacinação infantil no Brasil estão cada vez mais desafiadores e apontam uma tendência de queda nos últimos anos em vacinas essenciais para os pequenos, como a BCG, a tríplice bacteriana e as contra a hepatite B e a poliomielite, todas com taxas de cobertura menores que médias mundiais.
É o que mostram os dados de um novo relatório global da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Fundo das Nações Unidas para Infância (UNICEF), divulgados na última semana e analisados pelo g1.
Para o ano de 2021, a OMS e o Fundo levaram em conta informações de 177 países, incluindo o Brasil, e concluíram que, no mundo todo, os dados mostram o maior retrocesso contínuo na vacinação infantil em 29 anos. No nosso país, os números pintam um panorama diferente, mas não menos preocupante.
“É um quadro dramático. [Nesse relatório da OMS], nós estamos entre os 10 piores países do mundo em vacinação, ao lado do Haiti e da Venezuela, países que tem dificuldades econômicas enormes e não têm um programa tão organizado como o nosso”, lamenta Carla Domingues, epidemiologista e ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunizações (PNI).
Abaixo, veja em 6 gráficos como está a cobertura dos principais imunizantes infantis.
Vacina BCG: cobertura contra a tuberculose grave
A vacina BCG é umas das primeiras da vida. Ela é indicada horas após o nascimento até no máximo antes da criança completar os 5 anos de idade, e protege contra formas graves da tuberculose, como a meníngea e miliar, complicações que podem levar à morte.
O imunizante existe há mais de 100 anos e é uma das vacinas mais utilizadas no mundo. No Brasil, embora tenhamos tido uma certa recuperação em 2018, a taxa de imunização da BCG vem caindo consideravelmente desde 2019, durante o primeiro ano do governo Bolsonaro, quando diversos estados precisaram racionar a vacina.
Naquele ano, segundo as estimativas da OMS e do UNICEF, a cobertura vacinal foi de 79%, a primeira vez em quase duas décadas que o índice foi menor que a taxa global de imunização. Já em 2021, no segundo ano da pandemia, somente 63% das crianças receberam a vacina. Até 2015 essa taxa beirava os 100% no país (veja gráfico acima).
Em maio deste ano, conforme mostrou o g1, diversas entidades médicas enviaram uma carta ao Ministério da Saúde alertando mais uma vez para a falta do imunizante em postos de saúde pelo Brasil. Segundo a pasta informou à época, o imbróglio envolvia dificuldades na aquisição do imunizante e, por isso, o ministério diminuiria novamente o envio de doses mensais aos estados. Procurado pela reportagem, o Ministério da Saúde não respondeu até a última atualização desse texto.
Domingues lembra que um dos problemas que resultam nessa baixa cobertura, é justamente essa falta de organização e logística. Ela lembra que para pais desempregados ou que trabalham no mercado informal, por exemplo, aparecer num posto de saúde pode ser algo desafiador.
“Eu tenho que ter uma ação muito séria e rápida, para [que aquela mãe, pai ou responsável] volte a trabalhar. Se aquilo é uma ação demorada, tem fila, tem falta de vacina, tem uma burocracia, você desiste. Esse pai vai se perguntar por que perder um dia de trabalho”, observa a epidemiologista.
Neste ano, segundo dados do Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde -que não foram levados em conta pelo atual relatório da OMS/UNICEF e utilizam uma metodologia diferente-, a cobertura vacinal do imunizante está em torno 53% (considerando a última atualização até o dia 21).
Vacina contra a hepatite B
A primeira dose da vacina contra a hepatite B também deve ser aplicada nas primeiras horas de vida de um recém-nascido, mais especificamente entre as primeiras 12 ou 24 horas. O imunizante previne contra uma forma grave da hepatite, um tipo de inflamação no fígado que é provocada pelo vírus B da doença (o HBV).
De acordo com as estimativas da OMS e do UNICEF, embora a taxa de vacinação no Brasil tenha sido superior ao índice mundial para a terceira dose contra a doença por mais de 18 anos, desde 2015 o país não alcança o patamar de 95% recomendado por especialistas (veja acima).
A situação piorou ainda mais no último ano, quando essa taxa de vacinação despencou para 68%.
Este ano, segundo os últimos dados do Ministério da Saúde, a população-alvo atingiu uma cobertura vacinal de apenas 46% até o momento.
“O Ministério da Saúde cada vez mais tem investido menos em campanhas de esclarecimento e de conscientização da população. Lança-se uma campanha de vacinação e sequer tem uma mobilização da sociedade”, critica Domingues.
Vacina contra a poliomielite
O último caso de pólio no Brasil foi detectado em 1989. A poliomielite, também chamada de paralisia infantil, tem certificado de erradicação no país desde 1994, mas a baixa cobertura vacinal nos últimos anos preocupa especialistas devido ao risco de volta da doença infectocontagiosa.
Kfouri explica que, como a campanha de vacinação contra a pólio foi muito bem sucedida por aqui ao longo das últimas décadas, a importância dessa imunização e de outras do calendário básico é muitas vezes desprezada pela atual geração de pais e responsáveis.
O infectologista diz que isso é o resultado do próprio sucesso das vacinas, que foram tão eficazes em combater essas doenças nas últimas décadas que provoca um sentimento de desinteresse nas pessoas, que não se sentem mais motivadas a se vacinar porque não convivem e nunca conviveram com essas moléstias.
“O que move as pessoas em busca da proteção é a percepção do risco. Quando você se sente ameaçado, você vai correr atrás. Quando não, você vai ficar em dúvida, questiona, deixa para outro dia. É assim que funciona”, ressalta.
Segundo dados da OMS e do UNICEF, desde 2016 o Brasil não alcança a faixa ideal para a terceira dose da vacina da pólio, aplicada a partir dos 6 meses de vida. Em 2021, esse índice foi de apenas 61% (gráfico acima).
Já em 2022, segundo os últimos dados do Ministério da Saúde consultados pelo g1, a cobertura vacinal está em torno de 45%.
Vacina contra difteria, tétano e coqueluche
A difteria é uma infecção grave no nariz e na garganta, que pode causar dificuldades na respiração. Já o tétano é uma infecção bacteriana que afeta os nervos provocando uma rigidez muscular em todo o corpo. Por sua vez, a coqueluche é uma doença altamente infecciosa que atinge o trato respiratório e causa fortes crises de tosse.
Um ponto em comum, é que todas essas três doenças podem ser facilmente evitadas por meio da vacinação, ofertada gratuitamente pelo SUS.
Apesar dessa disponibilidade, o percentual de bebês que tomaram a terceira dose da chamada tríplice bacteriana, também vem caindo consideravelmente. No ano passado, segundo as estimativas da OMS e do UNICEF, a cobertura atingiu a pior marcar dos últimos 20 anos: cerca de 68%, enquanto o percentual recomendado deve beirar os 95% (veja acima).
Até o último dia 22 de julho, segundo os últimos dados do Ministério da Saúde, a cobertura vacinal está em torno de 40%.
Cobertura da tríplice viral
A tríplice viral é uma vacina que protege contra o sarampo, a rubéola e a caxumba, doenças virais infectocontagiosas.
A OMS e o UNICEF separam globalmente os dados de vacinação para rubéola e o sarampo. Por isso, os índices aparecem em gráficos diferentes, mas têm o mesmo percentual para o Brasil. Além disso, no último relatório das entidades, não foram divulgados dados globais de vacinação contra a caxumba.
No Brasil, a queda da cobertura para a vacina tríplice viral começou em 2017 e vem continuando desde então. E, segundo especialistas ouvidos pelo g1, as consequências disso são claras.
Em 2019, o país perdeu o certificado de erradicação do sarampo após a confirmação de um caso no Pará. 2 anos depois, ao longo do ano de 2021, 2.306 casos suspeitos de sarampo foram notificados em todo o Brasil, destes 668 (29,0%) foram casos confirmados.
Domingues explica que a elevada cobertura (em torno de 95%) é necessária justamente para evitar cenários como esse, tendo em vista que a doença é altamente contagiosa.
“Se eu tenho [hipoteticamente] o sarampo e temos uma cobertura de 70% num município com mil crianças, por exemplo, nós estamos falando de 300 crianças que estão desprotegidas. E a chance dessa pessoa infectada que chegou naquela comunidade ter outra pessoa para contaminar é enorme. O sarampo para cada uma pessoa doente, contamina 18”, alerta a epidemiologista.