CNJ apura suposto esquema de venda de sentença no Tribunal de Justiça do Paraná
Caso envolve empresa de processamento de soja de Araucária. Polícia encontrou diálogos suspeitos entre executivo e advogado, que é filho de um desembargador do TJ.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) abriu uma investigação para apurar um suposto esquema de venda de sentença no Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR). A medida foi tomada a partir de um inquérito da Polícia Civil que também investiga a suspeita.
Em março deste ano a polícia cumpriu mandados de busca e apreensão em uma apuração de fraude na administração da empresa Imcopa, que trabalha com processamento de soja. A companhia fica em Araucária, na Região Metropolitana de Curitiba (RMC), e está em recuperação judicial há 10 anos.
A operação apreendeu o celular de Eduardo Asperti, executivo de uma empresa criada para administrar a Imcopa. Segundo a polícia, no aparelho foram encontrados diversos diálogos entre o empresário e Miguel Gustavo Lopes Kfouri, que é advogado e filho do desembargador Miguel Kfouri Neto, ex-presidente do TJ-PR.
Site da revista Veja mostrou parte da investigação. A RPC também teve acesso a documentos da operação.
As investigações apontam que, em um dos diálogos entre Eduardo e Miguel, há indícios de que um assessor jurídico de um desembargador estaria auxiliando as partes nas decisões que lhes correspondiam, e que o assessor se comunicava diretamente com o advogado Miguel.
A polícia afirma que o assessor envolvido nas conversas é Jean Fábio Pereira, assessor do desembargador Tito Campos de Paula, da 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça.
Na semana passada, em outra operação, a Polícia Civil apreendeu o celular de Jean. O aparelho está sendo analisado por peritos. A Justiça também havia autorizado a apreensão do celular de Miguel Lopes Kfouri, mas ele estava viajando.
A defesa dele alegou constrangimento ilegal e conseguiu um habeas corpus que suspendeu a apreensão do aparelho.
Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) — Foto: Reprodução/RPC
As conversas
A RPC teve acesso a uma decisão em que o advogdo Miguel Lopes Kfouri encaminha para Eduardo Asperti um áudio que teria recebido de Jean, o assessor do desembargador Tito Campos de Paula.
Na conversa, Jean diz que “tinha marcado de conversar com o desembargador, e que iria expor tudo, conversar e tentar convencer. E que teria uma grande probabilidade do desembargador aceitar o projeto de voto dele. E que não queria arrumar encrenca e, por isso, teria que aguardar o decurso do prazo. Que ele pediu cautela e finalizou dizendo que estava ajudando a colaborar, mas que também precisaria de ajuda”.
Em março deste ano, o desembargador Tito Campos de Paula suspendeu, de forma monocrática, uma decisão de primeira instância que transferia a administração da Imcopa a outro grupo, que representava os credores da empresa.
Dois dias depois, a determinação dele foi cassada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Procurado, o desembargador informou que está viajando e soube da notícia pela imprensa e, por isso, não tem conhecimento dos fatos. O magistrado disse que estará à disposição na próxima segunda-feira (29) para qualquer esclarecimento.
A RPC apurou que, em outra conversa, Miguel Gustavo Lopes Kfouri e Eduardo Asperti, da Imcopa, debateram o pagamento de honorários. O advogado e filho do ex-presidente do TJ-PR pediu R$ 20 mil de adiantamento que, segundo ele, seriam entregues a outras pessoas que estariam colaborando com uma negociação dentro do tribunal.
O que dizem os envolvidos
Em nota, o TJ-PR afirmou que o procedimento conduzido pelo CNJ está sob sigilo, e que não comenta processos em trâmite. O Tribunal pontuou que “prestará toda a colaboração e tomará as medidas cabíveis em caso de confirmação de qualquer irregularidade”.
O advogado Miguel Gustavo Lopes Kfouri disse que as acusações contra ele são fruto de “um gigantesco” erro de avaliação da polícia e que vai provar a inocência durante o processo.
A RPC não teve retorno do desembargador Miguel Kfouri Neto. A defesa do assessor Jean Fábio Pereira não foi localizada.
Em nota, a assessoria de imprensa do executivo Eduardo Asperti informou que “ele não cometeu nenhum ilícito e não tem conhecimento do processo, que está em segredo de justiça”.